Imaginar que
Jesus pregou o evangelho aos mortos, enquanto esteve no
sepulcro, é o mesmo que imaginar Pedro dizendo uma coisa e os
profetas bíblicos dizendo outra. É o mesmo que imaginar aqueles
que escreveram pelo Espírito Santo coxeando entre dois
pensamentos. (I Reis 18.21). A verdade é que Pedro escreveu com
todas as letras certas frases que levam a essa interpretação.
Por outro lado, a Bíblia diz que os mortos não sabem coisa
nenhuma, e no mesmo dia que morrem, perecem todos os seus
pensamentos. (Jó 14.10; Eclesiastes 9.5). Sendo assim, então
como entender o texto de Pedro 3.18 em sua primeira carta, onde
o apóstolo escreve que Jesus teria pregado o evangelho aos
mortos?
Deus mostrou
isso quando disse a Moisés a respeito daqueles que consultam os
mortos: "Quanto àquele que se voltar para os que consultam os
mortos e para os feiticeiros [...] porei o meu rosto contra
aquele homem e o extirparei do meio do seu povo" (Levítico
20.6).
O que Pedro
escreveu no capítulo terceiro de sua primeira carta, do verso 18
em diante, não é de tão fácil compreensão, no entanto, suas
próprias palavras, em outros textos, ajudam a esclarecer o
assunto. Segundo a versão Almeida, Pedro escreve: "Porque também
Cristo morreu uma só vez pelos pecados, o justo pelos injustos,
para levar-nos a Deus; sendo, na verdade, morto na carne, mas
vivificado no espírito..." (1 Pedro 3.18).
Até aí nada de
complexo nas palavras de Pedro. Porém, a complexidade consiste
na interpretação que se dão ao versículo seguinte, no qual Pedro
complementa o texto dizendo que Jesus
também foi, e, em Espírito, pregou aos espíritos
em prisão" (1 Pedro 3.19).
Esse texto de Pedro, usado
para alavancar doutrinas como "Imortalidade da Alma, Purgatório
e Inferno de Fogo", é empregado no sentido de justificar que
Cristo desceu, durante os dias de Sua paixão, ao
que chamam de inferno para pregar aos espíritos. Esse modo de
pensar fundamenta-se na interpretação que se dão às palavras de
Pedro, imaginando-se que Cristo tenha ido à um lugar obscuro,
denominado de Limbo, para pregar às almas penadas que ali
estão.
Primeiramente é
preciso saber que Pedro falou de três classes distintas em suas
duas epístolas. O que leva as pessoas ao erro, é confundir os
ímpios dos dias de Noé, com os espíritos caídos, os quais Deus
reservou em prisões eternas até o dia do juízo. "Aos anjos que
não guardaram o seu principado, mas deixaram a sua própria
habitação, ele os tem reservado em prisões eternas na escuridão
para o juízo do grande dia" (Judas 6). Ver também (2 Pedro 2.4).
Os anjos caídos
formam a primeira classe na lista citada em Judas e Pedro. A
segunda classe fica por conta dos pecadores ímpios nos dias do
dilúvio e de Sodoma e Gomorra, que também pecaram à semelhança
daqueles anjos caídos. "Assim como Sodoma e Gomorra, e as
cidades circunvizinhas, que, havendo-se corrompido como aqueles
anjos, e ido após outra carne, foram postas como exemplo,
sofrendo a pena do fogo eterno. (Judas 7). Ver também: (2 Pedro
2.5,6). Foi a esta segunda classe que Jesus pregou o evangelho.
(Veremos isso mais adiante).
A terceira
classe são os justos, entre os quais, Pedro cita o justo Ló, Noé
e sua família. Portanto, incluir os ímpios na mesma classe dos
anjos caídos é um equívoco. Pedro deixa bem claro que o
evangelho foi pregado aos espíritos em prisão dos dias de Noé,
enquanto este preparava a arca. "E não perdoou ao mundo
antigo, mas guardou a Noé, a oitava pessoa, o pregoeiro da
justiça, ao trazer o dilúvio sobre o mundo dos ímpios" (2 Pedro
2:5). A estes, Pedro agrega os habitantes de Sodoma e
Gomorra. "E condenou à destruição as cidades de Sodoma e Gomorra,
reduzindo-as a cinza, e pondo-as para exemplo aos que vivessem
impiamente" (2 Pedro 2:6).
Feitas estas
considerações, temos uma visão bem diferente daqueles que, a
qualquer custo, querem dizer que Cristo enquanto esteve no
sepulcro, desceu a um lugar de tormento para pregar aos anjos
caídos.
Mediante tão
absurda interpretação, eis que surge então uma pergunta: Após o
momento da Sua morte, quando foi Jesus vivificado em Espírito
conforme afirma o apóstolo Pedro? Partindo do princípio de que a
palavra vivificar significa "dar vida a...", Jesus foi
vivificado no Espírito quando Deus Lhe devolveu o espírito na
ressurreição.
Antes de entrar
no assunto propriamente dito, vejamos em quais condições jazeu
Jesus o tempo em que esteve no túmulo. Ao morrer, à semelhança
de todos os viventes, Jesus entrega o espírito a Deus.
"Jesus, clamando com grande voz, disse: Pai, nas tuas mãos
entrego o meu espírito. E, havendo dito isso, expirou" (Lucas
23.46).
Jesus
permaneceu morto por três dias e três noites, ou seja, enquanto
estava na sepultura. Foi vivificado no Espírito após esse
período ao ressurgir dentre os mortos. "Por
isto o Pai me ama, porque dou a minha vida para tornar a
tomá-la" (João 10.17).
O texto acima mostra,
mediante as palavras de Jesus, que Sua vida foi interrompida
durante os dias e noites que esteve no sepulcro, sendo retomada
depois na ressurreição. Jesus não ressuscitou por Si mesmo,
Deus, através do Seu poder, fez que Ele fosse levantado dentre
os mortos. "Mas aquele a quem Deus ressuscitou nenhuma
corrupção viu" (Atos 13.37).
Ora, isso deixa claro que, Se
Cristo dependia de Deus para O ressuscitar, como estaria vivo o
suficiente para ir ao um lugar de tormento e pregar a algum
espírito em prisão? Uma contradição enorme paira sobre a opinião
daqueles que defendem uma visita de Cristo ao suposto lugar de
tormento para pregar aos espíritos. - Vivo, o suficiente para
pregar aos espíritos, e ao mesmo tempo, morto, o bastante, a
ponto de não poder levantar-se por Si mesmo do túmulo.
Esse pensamento entra em
choque com a Bíblia todas as vezes que esta diz que os mortos
não sabem coisa nenhuma. (Eclesiastes 9.5). Além disso, Deus
proibiu terminantemente o Seu povo desse tipo de comunicação.
"Não se achará no meio de ti [...] quem
consulte os mortos" (Deuteronômio 18.10,11).
Vejamos o parecer de Cristo
segundo Suas proprias palavras: "Pois, assim
como o Pai levanta os mortos e lhes dá vida, assim também o
Filho dá vida a quem ele quer" (João 5.21). Aqui o Filho de
Deus deixa claro que, para os mortos se levantarem ou exercer
alguma atividade, é preciso que Deus os ressuscite.
Por outro lado,
segundo Suas próprias palavras, Jesus tem poder para dar a vida
a quem Ele bem quer, mas esse poder só Lhe é facultado estando
vivo. Depois de morto, no entanto, não Lhe foi permitido
levantar-se por Si mesmo do túmulo, cabendo ao Pai
ressuscitá-Lo. "Pois se lê: Todas as coisas sujeitou debaixo
de seus pés. Mas, quando diz: Todas as coisas lhe estão
sujeitas, claro está que se excetua (o Pai) aquele que lhe
sujeitou todas as coisas. [...] então também o próprio Filho se
sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus
seja tudo em todos" (1 Coríntios 15.27,28).
Esse é mais um
sinal provando que Cristo não exerceu qualquer atividade
enquanto esteve no túmulo. Jesus morreu segundo a natureza
humana e, nesta condição, homem nenhum tem poder para fazer bem
ou mal. "O homem, porém, morre e se desfaz; sim, rende o
homem o espírito, e então onde está" (Jó 12.10; 14.10).
Segundo os
dicionários de português, uma das condições para alguém estar
morto é estar privado de qualquer animação ou atividade. Se
Cristo, enquanto morto, esteve no exercício de Suas faculdades,
mentais e espirituais, que necessidade havia de ser ressuscitado
pelo Pai? Por que não se levantou por Si mesmo? Ou melhor, que
necessidade havia de voltar à vida? Uma vez que, estando morto,
permanecia vivo em Espírito e em plena atividade? Faz sentido
Deus prover a ressurreição para quem já desfruta de todas as
faculdades mentais em outro plano? Ou Cristo estaria fingindo ao
entregar o espírito? Muito ao contrário. Por este motivo Paulo
também afirma: "[...] Cristo morreu por nossos pecados,
segundo as Escrituras; que foi sepultado; que foi ressuscitado
ao terceiro dia, segundo as Escrituras" (1 Coríntios 15.3,4).
Paulo esclarece
também: "Insensato! o que tu semeias não é vivificado, se
primeiro não morrer" (1Coríntios 15.36). Os argumentos de
Paulo são incisivos. Para o apóstolo, há grande diferença entre
o estar morto e ser vivificado. Esta é a lição que nos dá a
natureza. Uma semente nunca é vivificada imediatamente ao cair
no chão. É necessário que ela passe por um processo de
mortificação, para então ser vivificada. São dois estados
opostos. Ou se está morto ou vivificado; não há como permanecer
morto e ao mesmo tempo vivo.
A palavra
ressurreição significa "reaparição". Desta forma, ela faz
sentido para quem está em completo esquecimento, mas, para quem
já desfruta de uma vida em outro plano, que sentido faria a
ressurreição?
Isto é o que
constituem os princípios da doutrina da imortalidade da alma.
Segundo essa doutrina, as pessoas boas morrem e vão direto para
o Céu de Deus. Com isso, este princípio doutrinário anula
completamente a eficácia da ressurreição de Cristo. Porque, se
Cristo esteve em espírito executando alguma ação enquanto
permanecia no túmulo, Sua ressurreição não aconteceu, e Sua
morte não passou de mera encenação. "Porque, se cremos que
Jesus morreu e ressuscitou, assim também aos que em Jesus
dormem, Deus os tornará a trazer com ele. (1 Tessalonicenses
4:14).
Como
entender as palavras de Pedro?
Bem, temos
visto até aqui em que estado permaneceu o Filho de Deus enquanto
jazia no sepulcro. Agora veremos em que contexto disse Pedro
aquelas palavras em relação aos mortos. Surge daí outra questão:
Se Jesus foi vivificado somente na ressurreição, como entender
as palavras de Pedro ao dizer que o evangelho foi pregado aos
espíritos em prisão? Quando isto ocorreu? Em que tempo foi o
evangelho supostamente pregado aos mortos?
É necessário
recorrermos a outros textos, dentro do mesmo sentido, para que
essa questão fique bem esclarecida. Pedro de fato diz: "...
sendo, na verdade, morto na carne, mas vivificado no espírito...
No qual também foi, e pregou aos espíritos em prisão". verso 19.
- Os quais noutro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade
de Deus esperava nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca;
na qual poucas (isto é, oito) almas se salvaram pela água" (1
Pedro 3.18-20).
Contudo, para
entender o texto aqui apresentado, precisamos ver o contexto das
citações de Pedro em outros capítulos de suas cartas. Em momento
algum Pedro diz que Cristo pregou aos espíritos em prisão
enquanto jazia no túmulo. Repare que, no capítulo 1 de sua
primeira epístola, ele fez praticamente o mesmo comentário,
porém, esclarecendo de que forma foi o evangelho pregado aos
contemporâneos de Noé.
"Da qual
salvação inquiriram e trataram diligentemente os profetas que
profetizaram da graça que vos foi dada. Indagando que tempo ou
que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que estava neles,
indicava, anteriormente testificando os sofrimentos que a Cristo
haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir" (1 Pedro
1.10,11).
Falando dos
profetas, impulsionados pelo Espírito de Cristo que neles
operava, Pedro esclarece que, na verdade, Cristo foi conhecido
ainda antes da fundação do mundo, mas manifesto no fim dos
tempos. (1Pedro 1.20). Portanto, foi neste estado, ou seja, em
Espírito, e naquele tempo, que Cristo pregou aos contemporâneos
de Noé. Isto é, em Espírito, através dos profetas.
Veja ainda o
mesmo conteúdo segundo a versão judaica, como o pronome "ELE" é
empregado em lugar da palavra "evangelho", referindo-se a Jesus:
"Este é o motivo pelo qual "ELE" foi anunciado aos que
morreram, de modo que, ainda que fisicamente, recebam o juízo
comum a toda a humanidade, possam viver pelo espírito da forma
provida por Deus" (1 Pedro 4.6).
Duas palavras
chamam à nossa atenção segundo essa versão: São elas: "morreram
e fisicamente". Ao invés do substantivo "mortos", o tradutor
emprega a oração "os que morreram", esclarecendo que Jesus foi
anunciado, pelos profetas, àquelas pessoas enquanto ainda
viviam, mas elas morreram depois em função
do juízo
aplicado "fisicamente" por meio do dilúvio e da destruição de
Sodoma e Gomorra.
Podemos empregar aqui o verbo morrer na
forma do tempo pretérito (mais-que-perfeito do indicativo).
Por exemplo: pretérito mais-que-perfeito do
indicativo: (então eles morreram).
Um exemplo de aplicação numa frase:
"Morreram assim que o dilúvio iniciara".
Neste sentido,
através do Espírito de Cristo que agia em Noé, o evangelho foi
anunciado aos que morreram no dilúvio. Da mesma, o Espírito de
Cristo agia nos profetas, nos dias do juízo de Deus sobre Sodoma
(1.10), para que fossem julgados segundo a carne, como diz a
versão Almeida: "Por isso foi pregado o evangelho também aos
mortos, para que, na verdade, fossem julgados segundo os
(homens na carne),
mas vivessem segundo Deus em espírito" (2 Pedro 4.6).
O Espírito de
Cristo, que agia nos profetas, indicava os sofrimentos que a
Cristo haviam de vir, e a glória que os santos haveriam de
receber por meio de Seu sofrimento. (1 Pedro 1.11,12). "mas a
palavra do Senhor permanece para sempre. E esta é a palavra que
vos foi evangelizada" (1Pedro 1.25).
Aos profetas
inclui também Noé, através do qual, o Espírito de Cristo agia
enquanto preparava a arca, como verdadeira figura do batismo que
agora salva os crentes. "[...] nos dias de Noé, enquanto se
preparava a arca [...] que também agora, por uma verdadeira
figura, o batismo, vos salva [...]" (1Pedro 3.20,21).
Dois advérbios
chamam à nossa atenção nesta construção frasal. Trata-se de:
"também e agora". Ao empregar a oração "que também agora vos
salva", Pedro sugere que, uma vez, aquelas pessoas passaram
pela mesma experiência que os salvos agora passam também, porém,
não pela morte em função do despojamento do corpo carnal, mas no
simbolismo da morte de Cristo pelo batismo. Assim, como eles
passaram pela arca, como uma figura do batismo, os santos também
passam, mas esta ainda não é a morte física, e sim, a morte
espiritual no batismo.
Em outras
palavras, os que entraram na arca ficaram livres daquele juízo
através das águas, assim também agora, os santos são salvos
pelas águas, porque Jesus já morreu por eles. (Essa é a boa nova
anunciada pelos profetas). "Aos quais foi revelado que não
para si mesmos, mas para vós, eles ministravam estas coisas que
agora vos foram anunciadas por aqueles que, pelo Espírito Santo
enviado do céu, vos pregaram o evangelho (a boa nova); para as
quais coisas os anjos bem desejam atentar" (1 Pedro 1.12).
Na segunda
carta de Pedro, capítulo 2, são mencionadas três classes
envolvidas no mesmo contexto: os anjos que pecaram; verso 4; –
"os justos, Noé e sua família"; – e os ímpios julgados em carne
e destruído pelo dilúvio. "se não poupou ao mundo antigo, embora
preservasse a Noé, pregador da justiça, com mais sete pessoas,
ao trazer o dilúvio sobre o mundo dos ímpios" (2 Pedro 2.5).
A quem Noé
pregava a justiça, enquanto preparava a arca, senão aos seus
contemporâneos mergulhados na impiedade? Pois bem, estes são os
espíritos aprisionados, aos quais se refere Pedro em sua
primeira carta. Jesus disse que todo aquele que comete pecado é
escravo do pecado e, consequentemente, vive em prisão. (João
8.34). "... o SENHOR me ungiu, para pregar o evangelho aos
mansos; enviou-me a restaurar os contritos de coração, a
proclamar liberdade aos cativos, e a abertura de prisão aos
presos" (Isaías 61:1).
É neste sentido
que os ímpios nos dias de Noé viviam em prisão. Observe as
palavras de Pedro: "... e pregou aos espíritos em prisão; os
quais noutro tempo foram rebeldes, quando a longanimidade de
Deus esperava, nos dias de Noé, enquanto se preparava a
arca...". Agora compare com outros textos: "Como livres, e não
tendo a liberdade por cobertura da malícia, mas como servos de
Deus" (1 Pedro 2:16). Ou ainda: "Porque vós, irmãos, fostes
chamados à liberdade. Não useis então da liberdade para dar
ocasião à carne, mas servi-vos uns aos outros pelo amor"
(Gálatas 5:13).
IDSDC - Comissão de
Estudos Bíblicos.